E a privacidade? Os limites no uso de aplicativos de gestão
Maioria das pessoas prefere usar um só dispositivo para assuntos pessoais e de trabalho. Quais os riscos para o empregador e o empregado?
Felipo Corvalan
Smartphones e sistemas de gerenciamento ocupam grande espaço em nossas vidas. Só na Apple Store são 2,2 milhões de aplicativos disponíveis. A Play Store, loja do Google, conta com 2,8 milhões de apps. Com tanta tecnologia disponível, não há binômio mais contemporâneo: privacidade e qualidade de vida.
Para a gestão empresarial, contexto deste artigo, a importante vantagem do mundo tecnológico é, justamente, a mobilidade. Aplicativos de manuseio de cartão de ponto, gerenciamento de painel de atividades e de produtividade, chamadas de vídeo, geolocalização, mensagens instantâneas e, claro, o bom e velho e-mail tornam tudo muito mais prático e ágil.
A informação disponível a qualquer momento acelera as respostas a demandas. Sem isso, a burocracia domina os processos, todo retorno leva um tempo maior. Em plena era da informação, um software de gestão empresarial é ferramenta essencial para gestores conhecerem a realidade da empresa, assim como vislumbrarem tendências e disporem de suporte para as estratégias da organização.
Um sistema de gestão torna viável a automação de tarefas e a otimização dos processos empresariais. Assegura maior controle sobre as operações da empresa, reduz custos e riscos da atividade empresarial e disponibiliza informações seguras sobre os resultados alcançados, de forma imediata.
A propósito, você conhece o BYOD?
É uma sigla para Bring Your Own Device, traga seu próprio dispositivo, em português. Conceito de infraestrutura tecnológica que consiste no uso de aparelhos dos próprios funcionários para desempenhar atividades empresariais.
O BYOD vem ganhando força, principalmente, porque a maioria das pessoas prefere a liberdade de usar apenas um dispositivo tanto para assuntos pessoais como para aqueles relativos à vida corporativa.
Existem algumas formas de implementar o BYOD. Uma delas é estabelecer que a organização tem o direito de controlar o dispositivo, uma vez que os dados de trabalho acessados são da empresa. Isso é importante para que informações sensíveis não fiquem desprotegidas. Outra opção é a empresa arcar com os custos da tecnologia; porém, se o funcionário não se sentir confortável com o aparelho, tem o direito de utilizar o seu próprio. E ainda há a possibilidade de fazer a transferência legal do aparelho para o colaborador.
As três formas oferecem vantagens, mas precisam ser bem avaliadas. Quais aparelhos poderão acessar dados? Quais serão as restrições? Mais importante, quanto essa facilidade afetará, direta ou indiretamente, a vida particular dos colaboradores.
O desafio é encontrar o equilíbrio entre um ambiente seguro e a capacidade de permitir ao funcionário acessar os dados em diversas e simplificadas formas. A mistura entre as escolhas pessoais e a segurança empresarial é essencial.
Empresas que encontram esse equilíbrio contam com funcionários mais satisfeitos e com índice de produção acima da média, além de aumentarem a velocidade de resposta para situações críticas.
E no direito, como estamos?
Ainda não há consenso no uso da tecnologia como instrumento de operação do direito. Um exemplo é o uso da geolocalização como meio hábil de prova para comprovar horas extras. A grande maioria dos aplicativos nos smartphones possui sistema de rastreamento por geolocalização. Com esses dados ativados, é possível que empresas como a Google saibam, com boa precisão, os locais onde o usuário do smartphone estava no dia “x” e na hora “y”. É uma boa ferramenta jurídica para averiguar se, de fato, uma alegação de horas extras em uma reclamatória trabalhista é procedente. Por outro lado, há quem defenda se tratar de medida invasiva à vida particular e que tal prova de rastreamento pode violar direitos constitucionais.
Sobre o tema, aspas ao parecer do Ministério Público do Trabalho de Porto Alegre, de relatoria do ilustríssimo Procurador do Trabalho Cristiano Bocorny Corrêa:
"A publicação feita por uma pessoa em rede social, como é o caso do "facebook" versando no requerimento formulado na petição inicial, não é propriamente uma informação "privada" ou "sigilosa", e vem sendo, sim, largamente utilizada tanto no processo penal e civil, quanto, inclusive, nessa Justiça do Trabalho, tendo esse Procurador do Trabalho presenciado já, por diversas vezes, o uso de textos extraídos de redes sociais nos processos, utilizados tanto por empregado quanto por empregador, na condição de parte adversa àquela de quem originada a publicação, sem que dali prevalecesse qualquer discussão acerca de uma suposta "violação de privacidade" (mesmo porque, repita-se, são publicações feitas e dadas a conhecer por seus autores em redes sociais, onde qualquer um de seus seguidores pode dar a elas o encaminhamento e a publicidade que quiser, sem que disso o autor da publicação tenha qualquer controle superveniente".
Portanto, não temos como evitar a relação “siamesa” entre nossa vida particular e as benesses da tecnologia. O direito, inclusive, terá que se adequar a estes novos tempos.
Voltando ao tema deste artigo, o sistema de gestão empresarial baseado na tecnologia favorece uma visão de 360 graus do desempenho de cada processo do negócio. Isso permite aprimorar controles internos e gerenciar a empresa com plena consciência de limitações e potencialidades, de modo que possam ser tomadas ações para superar obstáculos e aproveitar oportunidades.
Em contrapartida, ao empregador cabe o desafio de orientar seus gestores e colaboradores para a utilização adequada dos meios tecnológicos, a fim de saberem quais são os limites da privacidade digital.
A tecnologia veio para ajudar e facilitar. Enquanto os limites legais sobre o tema ainda estão em construção, é fundamental que empregado e empregador sejam cuidadosos para manter o equilíbrio no binómio privacidade e qualidade de vida.
*Felipo Corvalan é advogado no Rücker Curi Advocacia e Consultoria Jurídica