Norma de saúde mental nas empresas pode ser só teatro corporativo, alerta especialista
Falta de mudanças estruturais e cultura organizacional tóxica ameaçam a efetividade da regulamentação
Em 26 de maio, entra em vigor a atualização da norma que obriga empresas a adotarem medidas para proteger a saúde mental dos funcionários, mas Ana Lisboa, psicanalista e advogada especialista em direito do trabalho, alerta que, sem um compromisso real, as ações podem se tornar apenas burocráticas.
Aprovada para reforçar a proteção psicológica dos trabalhadores, a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) determina que empresas implementem programas de prevenção e combate a transtornos psíquicos no ambiente corporativo. No entanto, a desconfiança sobre a aplicação prática da norma cresce. Para a especialista há um risco real de que as empresas apenas cumpram o básico para evitar penalidades, sem transformar de fato as condições de trabalho.
“Saúde mental não é um projeto de marketing. As empresas adoram adotar a ‘moda do bem-estar’ quando isso fica bonito no relatório ESG, mas, sem mudanças estruturais, continuaremos vendo funcionários adoecendo, só que agora sob uma nova etiqueta corporativa”, afirma Ana Lisboa.
A especialista destaca que muitas empresas confundem ‘comprometimento’ com ‘cumprimento’. "A nova NR pode obrigar a criação de programas de saúde mental, mas não pode obrigar as empresas a realmente se importarem. Se as ações se resumirem a palestras genéricas sobre estresse ou à clássica ‘sexta-feira do café com propósito’, nada muda num ambiente tóxico."
Para sair da superficialidade, Lisboa aponta três pilares essenciais:
Estabelecimento de rotina e organização de tarefas: as pessoas estão perdidas na separação entre jornada de trabalho e vida pessoal, o que leva à sobrecarga, procrastinação e exaustão. Criar uma rotina estruturada e definir prioridades evita esses efeitos e melhora a produtividade.
Estabelecimento de cultura e comunicação não violenta: a “cultura do medo”, presente em muitas empresas, precisa ser substituída pela cultura do propósito. O uso de gamificação estimula o pensamento e a criatividade dos colaboradores, aumenta a entrega, libera dopamina e reforça o reconhecimento no trabalho.
Liderança: treinar líderes para que adotem práticas de gestão que promovam o bem-estar e a saúde mental dos funcionários.
A especialista reforça que, sem um ambiente psicologicamente seguro, qualquer ação será meramente cosmética.
Outro ponto é a necessidade de medir o impacto das ações. “Se a empresa monitora produtividade, lucro e engajamento, por que não monitorar o impacto do trabalho na saúde dos funcionários? Quem não mede, não cuida. Quem não cuida, finge”, finaliza a especialista.
A nova NR pode ser um avanço ou um teatro corporativo bem ensaiado. A escolha está nas mãos das empresas. Caso optem por uma implementação superficial, correm o risco de deixar de lado o principal: o bem-estar real dos seus colaboradores, que é a verdadeira chave para um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo.
Ana Lisboa @analisboa
Fundadora e CEO do Grupo Altis, universidade reconhecida pelo MEC especializada em saúde mental e startup inovadora voltada para negócios sistêmicos, Ana é especialista em terapias sistêmicas e lidera a comunidade Feminino Moderno com mais de 100 mil alunas em 72 países. Psicanalista, professora, empresária, advogada, palestrante e fundadora do maior movimento de saúde mental feminina do mundo, que reuniu mais de 6 mil mulheres. Ana possui formações em Psicologia Positiva, Neurociências e Terapia de Casais. Graduada também em Direito, especialista em Direitos das Mulheres e Direito do Trabalho, e mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Autónoma de Lisboa.