Dietas restritivas: nutricionista e psicólogo pontuam quais são os riscos para a saúde física e mental
Os casos de transtornos alimentares têm maior incidência no público feminino, o percentual é de sete a oito mulheres para cada homem diagnosticado com algum tipo de distúrbio
A russa Zhanna Samsanova, conhecida nas redes sociais como Zhanna D’art, faleceu aos 39 anos e era adepta de uma dieta radical: consumia apenas alimentos crus e não bebia água há seis anos. A morte foi causada por uma infecção semelhante à cólera que foi acentuada por sua alimentação extremamente restrita.
A influenciadora compartilhava em seu perfil: receitas e seu estilo de vida com quase 38 mil pessoas. Muitos de seus seguidores comentaram que a morte ocorreu por conta dos produtos químicos presentes nas frutas que ela consumia. Era nítido que Zhanna sofria de anorexia.
De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria, estima-se que mais de 70 milhões de pessoas no mundo sejam afetadas por algum transtorno alimentar, incluindo anorexia, bulimia, compulsão alimentar e outros. Segundo informações divulgadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os transtornos alimentares acometem 5% da população brasileira, ou seja, cerca de 10 milhões de pessoas. O índice referente ao público jovem, é ainda mais alarmante e pode chegar a cerca de 10%.
“Os transtornos alimentares estão relacionados a preocupação e a dificuldade com a alimentação, forma e peso corporal. Podem ser classificados como distúrbios, transtornos ou hábitos alimentares irregulares carregados de sofrimento mental”, detalha Gustavo Imianowsky, Mestre em Psicologia Social pela PUC, coordenador e professor do curso de Neurociências & Comportamento na Faculdade UNIGUAÇU.
É importante estar atento aos sintomas dos distúrbios: preocupação excessiva com a forma e o peso, pensamentos invasivos persistentes sobre comida, nervosismo, ansiedade e culpa frente as refeições, descontroles alimentares, comportamento de checagem com uso da balança ou medição de partes do corpo, compensações com jejuns, vômitos, uso de fármacos como diuréticos, anfetaminas e outros, exercícios em excesso, evitação de situações e interações sociais onde a comida se faz presente e isolamento são alguns pontos que devem ser observados.
“Pessoas com transtornos alimentares possuem sofrimento significativo e devem buscar acompanhamento psicológico e tratamento adequado. É de extrema importância que os familiares participem do processo de cuidado do seu ente querido. Deve-se buscar uma relação equilibrada com a alimentação e o corpo, como também melhores ferramentas e repertório comportamental diante de emoções difíceis que podem intensificar a relação disfuncional com o comer”, orienta o psicólogo.
Padrões de beleza, adequação social e o impacto das redes sociais nos casos de transtornos alimentares
Os transtornos alimentares possuem causa multifatorial. No entanto, é comum encontrarmos história de sobrepeso ou obesidade, comentários negativos sobre o corpo, tentativas de emagrecimento e adequação social por via do corpo, algumas condições de sofrimento anterior como ansiedade, estresse e dietas inadequadas, a cultura da magreza e hipervalorização do corpo magro como ideal de beleza e sucesso. Comentários frequentes sobre o corpo e a forma física trazem gatilhos e sentimentos de reprovação e invalidação que posteriormente trazem uma relação muito difícil com a comida e a própria imagem.
“Sofremos com um problema cultural, onde o influenciador tem mais autoridade por conta dos seus seguidores do que um profissional que estudou para se especializar e se mantém atualizado para levar conteúdo real e verídico para os pacientes e seguidores. É comum ver os especialistas da internet incitando o terrorismo nutricional com informações sem qualquer tipo de embasamento científico e incentivando um estilo de vida perigoso. Temos um endosso social dessas loucuras que podem ser vistas diariamente nas redes sociais”, alerta o nutricionista Ney Felipe Fernandes, Mestre em Biologia Celular e Molecular pela UFPR, coordenador e professor do curso de Nutrição Funcional na Faculdade UNIGUAÇU.
A morte recente da influenciadora russa acendeu um alerta sobre a influência das redes sociais nas vidas das pessoas. Os seguidores de Zhanna não concordam que sua morte esteja relacionada ao seu estilo de vida, mas sim, aos produtos químicos dos alimentos consumidos.
O quanto este tipo de negação afeta a rotina alimentar de pessoas com transtornos alimentares ou com algum tipo de distúrbio?
A relação entre autoimagem e transtornos alimentares passa pela percepção e valorização que o indivíduo faz sobre si e sobre os outros. “Vivemos em uma sociedade que exalta a espetacularização da imagem, a cultura da magreza e, este último, como aquilo que provém reconhecimento, sucesso e valor. Associamos psicologicamente que só teremos lugar quando atingirmos um corpo idealmente aceito”, relata Imianowsky.
Há vários estudos que comprovam que as redes sociais tiveram impacto direto na construção da autoimagem. Atualmente, as maiores redes sociais respondem judicialmente em alguns países por esse efeito. Uma rede que valoriza o corpo e a imagem, associado a discursos de perfeição e sucesso, levam a uma hiper obsessão com o desempenho e culto ao corpo. “Se antes as revistas, filmes e mídia em geral atingiam diretamente essa população, hoje as redes sociais hoje se fazem presente 24 horas por dia em nossas vidas, com ênfase na ideia de beleza e admiração, acabam tornando-se lugares que levam a transtornos de imagem e alimentares”, constata o psicólogo.
Outra constatação importante é que as pessoas ainda não aprenderam que dieta é algo individual e que cada caso deve ser avaliado por um profissional formado em nutrição. “O que dá certo para um, não vale para o outro, e cada indivíduo tem um objetivo específico. Para as pessoas que querem mudar os hábitos alimentares e deixar de consumir carne, a dica é procurar um nutricionista especializado em vegetarianos e veganos para realizar a transição correta e com responsabilidade. Busque por um profissional capacitado, que estude e esteja sempre se atualizando, é importante considerar além das curtidas nas redes sociais”, enfatiza Fernandes.
Dica do especialista: está se sentindo fraco ou indisposto, é importante procurar atendimento médico e realizar uma bateria de exames para checar se está tudo bem para manter a saúde em dia. Nunca, em hipótese alguma faça uma dieta restrita, o corpo precisa de diversidade alimentar, por isso, existem vários tipos de proteínas e carboidratos. Tudo é uma questão de adequação. Lembre-se: o extremismo alimentar pode levar à morte e gerar diversos transtornos alimentares. Nada de reinventar a roda, a ciência da nutrição evolui e está madura, sabemos que determinadas coisas não funcionam.
Tratamento e ajuda gratuita
O tratamento recomendado é sempre multiprofissional com equipe formada por psicólogo, nutricionista, psiquiatra e em casos específicos, e, quando for necessário, tratamento farmacológico. De modo geral, o tratamento para transtornos alimentares deve ter sempre a presença de um psicólogo, por conta do sofrimento e atravessamentos emocionais.
É possível encontrar atendimento psicológico gratuito e tratamento em ambulatórios do Sistema Único de Saúde (SUS), centros e serviços de saúde e psicológico de universidades que oferecem suporte e psicoterapia para a população. Outra opção é utilizar o Mapa da Saúde Mental, o site oferece atendimento on-line. A equipe é composta por psicólogos, profissionais da área da saúde e educação, mestres e doutores. Com atendimento e acolhimento especializado em saúde mental, automutilação e prevenção do suicídio. Saiba mais: https://mapasaudemental.com.br/