Os aprendizados do Natal
O primeiro aprendizado é o de que a pobreza que priva do necessário não é um destino sem dono, mas uma invenção de homens sem escrúpulos. A pobreza da família de Jesus era fruto de uma terra dominada e explorada, de um poder sem natureza e que se sustentava pelo medo e pela violência. Daí a fuga, porque o rei tão poderoso era, ao mesmo tempo, tão fraco diante da possibilidade de perder o que não lhe cabia. E, diante disso, não hesitou em mandar matar crianças, centenas delas, pela simples hipótese de que uma pudesse reivindicar o que ele havia furtado para si, sem qualquer merecimento.
O segundo aprendizado é o da sobrevivência em condições extremas. A família de Jesus viveu dias terríveis, mas não temia por eles próprios e sim pela ameaça que pairava sobre aquele que estava por vir. E era preciso proteger aquele que ainda sequer havia tido a chance de experimentar esse mundo. E em meio a essa fuga, em um lugar ermo, junto aos animais em uma estrebaria, nasceu o menino. Seu primeiro choro, seu primeiro grito, foi a vitória decisiva sobre seus algozes.
O terceiro aprendizado é o do amor de José. O filho não era seu mas ele acreditara nas palavras de Maria. O amor é isso: acreditar. E José foi pai desde o primeiro momento, aceitando e protegendo, e depois dando o exemplo de sua existência honesta e amando a criança sem se sentir iludido ou enganado. O amor é isso: envolvimento. O homem mais velho, carpinteiro, viu a criança crescer com um destino sobre o qual ele sabia que não poderia intervir. Mas poderia, sim, oferecer o espelho de si mesmo para que Jesus soubesse o que um pai é: aquele que está sempre ao alcance do seu apelo. Ser pai não é um poder, porque o poder quer sempre dominar, tornar o sujeito súdito. Ser pai é ser o amparo da criança que vira sujeito, constrói-se a si mesmo, sabendo que haverá sempre um abraço sem explicações, um beijo sem motivos, à sua espera.
O quarto aprendizado é o de Maria, que deu seu sangue a Jesus e ensinou, pelo exemplo, a dar seu sangue àqueles que se ama. O sangue é a vida e as mães fazem isso para seus filhos desde sempre. O segredo da criação é a percepção de que todo o milagre da vida se dá no ventre da mulher que escolhe virar mãe e esse poder é o único capaz de se chamar milagre. Por isso, o medo atávico que os homens fracos têm das mulheres, o esforço brutal de reduzi-las, de confiná-las, como o medo do rei que tem um poder que não lhe cabe e o exerce com o rosto crispado de pavor. Maria é a chave do cristianismo. O anjo vagaria tonto pelo deserto sem uma mulher para aceitar a incumbência de criar um ato de amor como herança para o futuro.
O quinto aprendizado é o milagre da festa. Jesus de Maria e de José escolhe um encontro alegre, a união de duas pessoas que se amavam e que queriam dividir esse amor com seus amigos e conhecidos e desejavam que todos relaxassem e deixassem a alma vagar um pouquinho para além do corpo cansado da labuta diária para realizar seu primeiro milagre, e esse milagre foi feito de vinho. Porque Jesus compreendeu que sem a festa, sem o descanso, sem o relaxamento, sem o abandono temporário dos afazeres, sem a suspensão das preocupações, sem congraçar (que é o compartilhamento da graça), como medir o valor da vida? Pois que haja vinho! E também risos e dança e abraços e beijos e esse suspiro de satisfação e esse brilho diferente nos olhos de quem compartilha seu tempo com seus queridos e queridas.
O sexto aprendizado foi o da multiplicação dos pães e dos peixes. Pois não há como pedir para ser crente para quem não tem condições de ser gente. E gente precisa se alimentar. Não somente, mas para começar. É tão fácil ser o rei Herodes e julgar quem nada tem, ditando-lhes regras sobre honestidade e esforço para alcançar algo. É tão cômodo dizer que é preciso ensinar a pescar ao invés de prover a fome, principalmente para quem herdou barcos e mares. Jesus não deu ouvidos a esses falsos moralistas, ditadores de regras. Jesus, que nasceu sob o olhar de amor de seus pais, que se tornou adulto entre os que o amavam e cresciam em admiração, sabia que a semente que deve vingar na terra é a que pode ser colhida por todos. Esse é o maior aprendizado: o Filho foi maior do que o Pai. No mundo de Jesus, ninguém seria expulso do Paraíso por provar o fruto do conhecimento. Ao contrário, essa é a única porta de entrada para ele.
*Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor de Humanidades no Curso Positivo
@profdanielmedeiros
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